terça-feira, 4 de maio de 2010

Céu de chumbo


A mulher observou a chuva caindo numa intensidade contínua. As árvores recebiam serenas, o peso das águas numa calma angelical. O céu estava um chumbo compacto.

Não deu boas-vindas ao dia chorão. Ela sempre fora bem humorada, mesmo quando ao seu redor tudo parecesse caótico. Sem depressões inúteis, talves a inconsciência psiquica da própria insensatez. Gostava das brisas, verões fortes, luares em todas as fases. Aceitava túneis, rochedos e mares revoltos. Lágrimas, só ao ouvir boa música ou uma triste história.

Amara algum dia? Não sabia. Mas conhecera o amor dos dois únicos amigos que a amaram e se foram, no turbilhão do tempo findo. Túmulos esquecidos de almas guardadas no espírito.

Agora, só. Ela afastada. Não. Nada soubera do amor, não o entendera, talvez, ou não o soubera sentir.

Via-se agora sem surpresas, reflexos sem fundamentos, planos, continuidade. Tantos pecados, sinônimos de ignorância… Tantos encantos, tropeços e festas… E mancadas. Tão absurdas que a surpreendiam com sua criatividade destrutiva para ela mesma e para os outros, eventos sem sentido ou retorno.

Deu de ombros indiferente. O dia molhado impedia-a de sair. Tanto melhor. Estava livre de compromissos e as incertezas podiam permanecer tranquilas ao seu lado. Pensou: se estivesse na Idade Média, provavelmente morreria na fogueira das bruxas. Sorriu divertida. Que importam os julgamentos? Estava isenta agora. O que importava mesmo era a chuva que caiu contínua e chata e aquele céu de chumbo.

sábado, 1 de maio de 2010

Ausência


Por toda vida
Permanecestes tão distante
quanto o mais distante
planeta
da mais longínqua
galáxia.
Eu, porém,
continuo me aquecendo,
prazeirosamente,
sob o calor
do generoso sol.

Em Barra de São João


Tudo é bom.

A cidade é bonitinha,
as tardes são serenas e poéticas.
As noites embaladas
e musicadas com bom gosto
pelo Bar do Beto.
Os amigos possuem a face
de filhos inesperados.
O atendimento raro e delicado
que recebemos do mercadinho «Badalado».
O mar é o mar.
O rio é tranquilo,
mas no dia da chuva grossa,
se zangou,
invadiu algumas casas
e o que era pouco, quase se acabou.
Sobrou uma adolescente luz
buscando o horizonte,
um pássaro pousando no fio elétrico,
uma esperança agasalhada e firme,
uma roseira em flor,
e um altar de histórias pra contar.

A Menina e o Laço


Difícil prender aquele laço. A mentira tentou várias vêzes mas a fita escorregava dos seus cabelos. Já estava pronta para a festa de aniversário da colega de escola; vestido branco com saia franzida e faixa rosa na cintura, sapatos «boneca» e meias de seda. Calça jeans e tênis, só quando ia para a escola ou saía de férias com os pais. Se ainda houvesse férias depois dos impasses, ausências e silêncios, de rancores, que deixavam seu irmão chorando pelos cantos, écos cruéis e invernosos abandonos. Pressentia os medos, mas lutava contra as amarguras e trevas preparava suas armas no alto dos seus onze anos.

E o laço não prendia seus cabelos. Queria soltos seus sonhos, apagar seus lumes, sua poesia e segredos.

A mãe, trágica figura de romances; sempre vermelha, lábios açoitados de insultos e lamentos, a mansidão perdida entre cactos.

O pai, o olhar arisco em cruas expectativas, disfarces da indiferença pelo amor, agora áspero, possesso, gangrenado e morto.

De repente, a menina sentiu que a medida da vida são os acontecimentos; aquele laço não segurava porque nada se prende para sempre. Até os laços familiares são frágeis fios que se desfazem se não existe o cantar do amor absoluto. O tempo escoa as emoções simples e apegos confusos, mistura que ultraja o que não tem a firmeza do mármore.

Deixou soltos os seus cabelos e foi ao encontro do irmão que permanecia imóvel com um ídolo asteca.

O pai largou o jornal e acompanhou-os, mãe e filhos, para conduzi-los à festa. Lá fora o sol da tarde derramava-se sobre a paisagem e o vento suspirava nas árvores. A menina sentiu-se alegre e sem surpresas ao descobrir que todas as almas são solitárias.