A mulher observou a chuva caindo numa intensidade contínua. As árvores recebiam serenas, o peso das águas numa calma angelical. O céu estava um chumbo compacto.
Não deu boas-vindas ao dia chorão. Ela sempre fora bem humorada, mesmo quando ao seu redor tudo parecesse caótico. Sem depressões inúteis, talves a inconsciência psiquica da própria insensatez. Gostava das brisas, verões fortes, luares em todas as fases. Aceitava túneis, rochedos e mares revoltos. Lágrimas, só ao ouvir boa música ou uma triste história.
Amara algum dia? Não sabia. Mas conhecera o amor dos dois únicos amigos que a amaram e se foram, no turbilhão do tempo findo. Túmulos esquecidos de almas guardadas no espírito.
Agora, só. Ela afastada. Não. Nada soubera do amor, não o entendera, talvez, ou não o soubera sentir.
Via-se agora sem surpresas, reflexos sem fundamentos, planos, continuidade. Tantos pecados, sinônimos de ignorância… Tantos encantos, tropeços e festas… E mancadas. Tão absurdas que a surpreendiam com sua criatividade destrutiva para ela mesma e para os outros, eventos sem sentido ou retorno.
Deu de ombros indiferente. O dia molhado impedia-a de sair. Tanto melhor. Estava livre de compromissos e as incertezas podiam permanecer tranquilas ao seu lado. Pensou: se estivesse na Idade Média, provavelmente morreria na fogueira das bruxas. Sorriu divertida. Que importam os julgamentos? Estava isenta agora. O que importava mesmo era a chuva que caiu contínua e chata e aquele céu de chumbo.